Story One: 2015. At the age of 90, an unassuming citizen died in the city of Oporto. He was not Jewish but had always been enthusiastic about all things Jewish and had amassed a vast and excellent library on the subject. Members of the Jewish Community of Oporto visited the house of the deceased and were impressed with what they saw. It was not just a question of the riches represented by those hundreds of books. Every nook and cranny of the house pointed to extreme penury. Yet, unbelievably, this poor soul had built up a lavish library on a unique, almost forbidden subject. Who was he? A devout man, who went through several religions (Catholic, Evangelic and others linked to Spiritism) and was once a slave of a totalitarian Christian sect. Quite probably his soul never found its true mission in life, yet it obviously involved creating this fabulous collection of books, one decade after another. In 2015 this collection was added to the library in Oporto synagogue, most of whose contents had been stolen in a robbery some years earlier.
Story Two: 2019. At the age of 82, an unassuming citizen died in a small town near Oporto, leaving his vast library to the city’s synagogue. He was a second-hand bookseller by trade and member nº 483 of the National Inventors’ Association. He visited fairs on a regular basis. He was a sort of Mr. Oliveira da Figueira in the Tintin books, calling to mind old Jews in 15 th century markets. Collecting was his passion: “old and rare” books (actually, neither very old, nor very rare) and other mostly superfluous objects of little or no value. The boot of his car was always crammed with stuff and he always had something to sell. His very old car hailed from the golden era of motor vehicles. When it finally gave up the ghost, he mourned the old jalopy’s “roomy boot”. The members of the Jewish Community of Oporto gave him another car. He could not have been happier. Indeed, he was always a happy man, although over the years he witnessed the death of his son, two daughters, a granddaughter and a son in law. He never lost faith in the Eternal Father. A month before he died, frail and forgetful, he said that Adonai would cure him of his ills and put him in charge of a perfume factory “maybe in another life or who knows, still in this one!”
As extraordinárias histórias de dois homens que enriqueceram a biblioteca da sinagoga do Porto
Primeira história: Ano de 2015. Aos 90 anos de idade, um discreto cidadão faleceu na cidade do Porto. Não era judeu, mas sempre fora um apaixonado por temas relacionados com os judeus e havia juntado uma vasta e excelente biblioteca relacionada com o tema. Quando alguns membros da comunidade judaica do Porto estiveram na casa do falecido, ficaram muito impressionados com o que viram. Não era só a riqueza daquele conjunto de centenas de livros. Todos os cantos e recantos daquela casa evocavam a mais extrema penúria. Incrivelmente, um homem pobre havia construído uma biblioteca riquíssima sobre um tema muito singular, quase proibido. Quem era ele? Um homem devoto a Deus, que passou por várias religiões (católica, evangélica e outras ligadas ao espiritismo) e que outrora foi escravo de uma seita cristã totalitária e uniformizante. Provavelmente a sua alma nunca encontrou a verdadeira missão de vida, mas sem dúvida que essa missão passou, também, por fazer, década após década, uma coleção de livros fabulosa, a qual, em 2015, seria integrada na biblioteca da sinagoga do Porto, então extremamente pobre e carente, por força de um assalto ocorrido alguns anos antes.
Segunda história: Ano de 2019. Aos 82 anos de idade, um discreto cidadão faleceu numa cidadezinha perto do Porto, deixando a sua vasta biblioteca para a sinagoga da cidade. Alfarrabista de profissão, era o sócio n.º 483 da associação nacional de inventores. Passava a vida em feiras. Era uma espécie de senhor Oliveira da Figueira dos livros do Tintim, fazendo lembrar os velhos judeus de feira da época quatrocentista. O colecionismo era a sua paixão: livros "raros e antigos" (na verdade nunca tão raros e antigos quanto isso), outros objectos, muitas bugigangas sem valor. Tinha sempre a mala do carro a abarrotar e era impossível não ter algo para vender a todo o momento. O seu automóvel velhíssimo pertencia aos tempos áureos dos automóveis. Quando o veículo arriou definitivamente, ele fartou-se de se lamentar lembrando a “mala espaçosa” do velho chaço. Os membros da comunidade judaica do Porto ofereceram-lhe outro carro. Foi a maior alegria que lhe podiam dar. Ele era homem sempre feliz, apesar de, em épocas diversas, ter visto morrer um filho, duas filhas, uma neta e o genro. Nunca perdeu a fé no Eterno. Um mês antes de morrer, já muito debilitado e desmemoriado, disse que Ado-nai o curaria das suas doenças e dar-lhe-ia a gestão de uma fábrica de perfumes, "talvez noutra vida ou nesta ainda!”.
留言